EU SOU

vivo nas pedras plantas bichos gente
nas estrelas Eu vivo (em todo o orbe)
esse Eu sempre em mim de mim não foge
esse Eu vive em tudo e em tudo esplende

anda nos passos de quem passa e sente
chora no choro aflito de quem chora
vive dentro das formas: dentro e fora
é o mesmo Eu sou em cada ser vivente

eu O chamo de Deus é Ele quem ora
quem ora em mim e assim me faz contente

esse Eu que eu sou pra sempre desde sempre
(não este que me nasce e que me morre)
não me limita ao tempo: não me tolhe
sempre me expande em ondas e me estende

esse Eu que eu sou vai sendo: é só presente
esse Eu não me começa e não me esgota
esse Eu nunca Se vai nem Se retorna
esse Eu sou eu que vivo eternamente

INSTÂNCIA E SUBSTÂNCIA

a flor é instância
na flor a substância é Deus
o perfume da flor é instância
no perfume da flor a substância é Deus

o sol bola dourada
pendurada no céu
o sol no céu é instância
no sol no céu a substância é Deus

o céu é instância
no céu a substância é Deus

de Deus é feita a flor
de Deus o perfume da flor
o sol e o céu são feitos de Deus

tudo que há é instância
em tudo que há a substância é Deus

o nada é instância
o nada é um vazio preenchido de Deus
também no nada a substância é Deus

ANDARILHO

eu andarilho em mim me acordo às quatro
da madrugada: adentro-me: faz frio
no escuro do silêncio que há em mim

no escuro em mim vou indo: me deslizo
no escuro do silêncio me inebrio
do escuro e do silêncio que há em mim

no silêncio me singro navegante
vou andarilho vou sereno: um rio
corre dentro de mim: navego nele

vou sereno e sozinho e peregrino
no escuro do silêncio que está vivo
que pulsa misterioso e me convida
para adentrar-me mais e mais no rio
no rio do silêncio que há em mim

eu andarilho em mim me acordo às quatro
da madrugada e adentro-me sem tino
sem rumo sem saberes andarilho
adentro o Deus que há dentro de mim

PRESENÇA DE DEUS

no pássaro que voa eu vejo o pássaro
esse pássaro é Deus
na água que flui sobre o leito do rio
vejo a água que flui sobre o leito do rio
essa água é Deus o rio é Deus

na nuvem do céu no ar frio da manhã
vejo a nuvem do céu sinto o ar frio
essa nuvem é Deus que está no céu
esse frio é Deus permeando a manhã

nas pedras que piso pela estrada
na poeira da estrada
na estrada
pedra pó da estrada a estrada são Deus

é Deus a fragrância da flor
o verde da folha verde é Deus
o sorriso na boca da criança
cada passante que passa
o pleno e o vazio: tudo é Deus

POEMINHA AOS VÍRUS

vorazes vírus vieram velozes
volteiam vivos nos vasos meus
tão pequeninos os meus algozes
mas se vieram permite-o Deus

Deus se o permite é pra que eu perceba
não discrimina entre os filhos Seus
ama-os a todos (é pra que eu veja)
ama-os a todos (os vírus e eu)

é o jogo cósmico impermanente
lila divina nas coisas que há
Deus nos bichinhos nas plantas gente
onipresença que em tudo está

vorazes vírus vieram velozes
formas finitas vêm e se vão
dores me trazem (dores atrozes)
dores finitas que passarão

que estão passando pois tudo passa
menos o amor no meu coração

QUERENDO DEUS

quem quer um Deus que se compraz em ser justo?
eu quero um Deus injusto um Deus que ame
e não julgue e não condene e não faça ameaças a mim

eu quero um Deus perdoa e perdoa e perdoa
um Deus que sabe que sou bobinho e que sendo bobinho [faço bobagens
(Ele sabe de tudo: é onisciente)
um Deus que se ria das minhas bobagens

quem quer um Deus espreitando as criaturas
pra jogar nas profundezas do fogo as criaturas
e lá no fogo as criaturas vão sofrer pra sempre?
quem quer um Deus assim? quem quer?

eu quero um Deus bonachão e de bem com a vida
um Deus que me acarinha e me beija e me faz sorrir
quem quer um Deus áspero e ranzinza
um Deus intratável seco um Deus feroz?

eu quero um Deus sem rancor sem vinganças
um Deus que é todo misericórdia
eu quero um Deus que é só Deus

QUINTA-FEIRA SANTA

era uma quinta-feira há tanto tempo
o Mestre e Seus discípulos ceavam
no coração de muitos deles medo
no de Jesus apenas se escutavam
as pulsações do Amor que Se entregava

era uma quinta-feira: o Mestre lava
os pés de Seus discípulos dizendo-lhes
que o mesmo façam já que O chamam Mestre
Chamam-No de Senhor reconhecendo
no homem Jesus que Deus na carne estava

na mesma quinta-feira se declara
que o pão é o corpo de Jesus: o vinho
é o sangue que seria derramado
para livrar as almas do pecado
para que o ego fosse assim vencido
para que o ego fosse assim cortado
e como um pássaro vai de volta ao ninho
eu pudesse voltar enfim pra casa

PEDAÇOS DE DEUS

há pedaços de Deus nos caminhos que faço
eu piso nos pedaços de Deus
pedras lisas pedras povoadas de algas
algas pedaços de Deus

há pedaços de Deus (são nuvens no céu)
e nas gaivotas que voam sobre o mar
há pedaços de Deus

a água do mar são pedaços
há pedaços de Deus no sal da água do mar
há ínfimos pedaços de Deus nos grãos de areia da praia
nas conchas que encontro na fímbria da areia
há pedaços de Deus

há Deus dividido fracionado em pedras água sal pássaros areia
[ e conchas
eu piso e me banho nos pedaços de Deus
eu contemplo os pedaços de Deus voando sobre o mar
eu respiro os pedaços de Deus no ar que respiro

eu me vejo um pedaço de Deus
eu sou um com Deus repartido em pedaços

SORRISO DE TETÊ

um dia Deus lá dos céus
olha pra terra: e o que vê?
vê com seu olhar de Deus
cheio de amor pelos seus
filhos (Deus de lá me vê)

Deus (dos céus) percebe então
que há em meu coração
um cantinho preparado
todo lindo e bem cuidado
cheio de flores se abrindo
esperando por você

um dia Deus lá dos céus
vê com seu olhar de Deus
meu coração Ele vê
e pra Terra Deus envia
num maravilhoso dia
pra completar-me a alegria
seu sorrisinho Tetê

DEUS QUE IMAGINO

eu imagino Deus bem fragilzinho
o Deus a quem protejo com meus mimos
o Deus mais do que um Pai o Deus meu filho
o Deus que pede a mim os meus carinhos

eu imagino o Deus com quem eu brinco
a quem confio todo o meu destino
eu imagino o Deus sempre sorrindo
o sorriso matreiro dos meninos

eu imagino o Deus com quem caminho
a quem eu dou a mão se for preciso
e O coloco no colo quando há frio
e que dorme em meus braços quando O nino

eu imagino o Deus meninozinho
que me fala do amor num balbucio
a quem livro de todos os perigos
com quem converso e a Ele tudo ensino

eu imagino o Deus um Deus Deusinho
a revelar-Se a mim sendo infinito

DESPERTAR

sou pecador um pobre pecador
sou pecador (Senhor) sou pecador
do acordar ao dormir o homem dizia

sou pecador (Senhor) tem compaixão
(do pecador que sou tem compaixão)
do pecador que sou (e me alivia)

sou pecador: infame pecador
é isso que sou (imerso em minha dor
não tenho paz e falta-me alegria)

sou pobre pecador: por onde eu for
(o homem dizia) procurando amor
tudo me aflige tudo me angustia

mas certo dia o homem despertou
dessa ilusão (do sonho ele acordou)
sabendo assim que até então dormia

eu sou filho de Deus (isso é que sou)
sou Sua imagem e por onde eu vou
é Deus em mim que vive a cada dia

LIBERTAÇÃO

pássaros em gaiolas vão as almas
enfermiças de angústia (enclausuradas)
pra sua sede não encontram água
pros seus pés andarilhos onde a estrada?

iludidas não sabem d'O que as une
que d'Ele são imagem ressonância
que elas são Ele porque Ele as preenche
que cada alma em si é a mesma Alma

cada raio que esplende é o mesmo sol
cada gota do céu é a mesma chuva
cada grão pequenino a mesma areia
cada manhã são todas as manhãs
o pedaço de Deus é o mesmo Deus

esquecendo quem são almas se afligem
elas se sentem separadas tristes
mas no oceano que é Deus elas residem
recordando quem são elas são livres
no mar do amor imersas elas vivem