ÁRVORE

 o que há de árvore em mim quer gerar doces frutos

dar sombra ao andarilho

abrigar pássaros todos os pássaros nos ninhos

o que há de árvore em mim quer o vivo silêncio

esse silêncio fértil da árvore

quer ser acarinhado pela brisa

sussurrar o cãntico do silêncio

ao ser acarinhado pela brisa

as folhas balançando um bailado festivo

o que há de árvore em mim são sólidas raízes

penetradas na terra úmida e serena

o que há de árvore em mim são sementes divinas

são divinas sementes de vida

tornadas outra árvore como a árvore em mim

o que há de árvore em mim não revida não grita

ao golpe do que fere a árvore escondida

o que há de árvore em mim ama a vida e a procria

O DEUS ENTEDIADO

em meio à escuridão daquela noite imensa

o Deus revela cansaço

está cansado dessa noite sem fim

do vazio da noite sem fim

desse vazio sem fundo

do escuro de uma noite que não começa

nem termina nunca (uma noite que é)

então cheio de tédio pela noite sem fim

o Deus diz faça-se a luz

da cabeça do Deus se vão brotando

os mundos todos que há

da cabeça do Deus brota a casa das gentes

as pedras brotam da cabeça de Deus

os vales os rios mares e montanhas

brotam da cabeça de Deus

os bichos todos brotam da cabeça de Deus

então Deus vê que tudo era bom

repousa a cabeça e dorme na noite à espera do sol 

EM TUDO : EM MIM

 servo da Vida quero-a viva plena

em cada ser vivente sirvo a Vida

não dividida amesquinhada ínfima

em cada ser vivente toda inteira
a de todos e a minha confundidas
em tudo sendo a mesma eu posso vê-la

sinto que o que me digo: vida minha
vive na terra no ar e lá na estrela
no pássaro no mar no grão de areia
nas pessoas que passam pelo dia
também na pedra como em toda gente
em tudo inteira em tudo não finita

servo da Vida sigo pela senda
que me permite à Vida assim senti-la
que me permite tê-la não partida
por trás de tantas formas escondida
a mesma e única Vida em todo ser
em tudo e em mim a mesma e única vida

EQUANINIDADE

eu pronto quero estar pro acolhimento
do que me chega mesmo o indesejado
mesmo do que me causa desagrado
mesmo do que me é dor e sofrimento

quero acolher firo e calor o vento
e a calmaria (tudo o que me é dado)
quer me pareça bom ou mau meu fado
quero acolhê-lo (esse é meu intento)

não quero que haja o mínimo lamento
nem quero que haja em minha voz enfado
quero acolher aquilo que ofertado
diante da oferta o mesmo sentimento

que tudo passa e vai ligeiro ou lento
o que me aflige passa e o que é amado
como (um dia) se vai o que é guardado
como se vão palavra e pensamento

eu pronto quero estar pro acolhimento
do que (neste momento) me é chegado

MARIA É DEUS

Maria é Deus me diz um dia o amigo
e isso era uma heresia tão bonita
essa declaração de amor tão linda
Maria é Deus o amigo me dizia

Maria é Deus em forma feminina
o amigo sempre sempre repetia
esse amigo chamava-se Francisco
quando cheguei já tinha sete filhos
depois mais dois por fim foram nascidos
ele qual mãe amava esses meninos

Maria é Deus e tão bela heresia
pela boca do amigo ela me vinha
banhar-me o coração de amor divino
e aos pouquinhos na alma eu percebia

Maria é Deus o meu amigo é Deus
Deus são também também meus inimigos
a pedra é Deus a planta é Deus o abismo
é Deus é Deus tudo o que existe

NAMORADOS

por amor o ilimitado
se faz limitado e me vem até mim
me beija na face
porque agora o ilimitado é boca
lábios suaves que acarinham meu rosto

como agora o ilimitado se limita em corpo
cabeça tronco membros
com suas mãos toca meu rosto e me acarinha
(o ilimitado é todo carinho)
depois entrelaça os dedos nos meus dedos
e saímos namorados a passear

ele sussurra em meus ouvidos palavras de amor
me faz andar com ele sobre as águas
voa qual pássaro e me leva consigo
atravessamos nuvens nos banhamos de sol

finalmente cansado (porque agora se cansa)
se deita ao meu lado me conta estorias de ninar
eu canto pra embalar seu sono e adormecemos felizes

DA NÃO PROCURA

se procuras sentido perdes viço
ficas aflito logo te amofinas
porque as coisas não têm nenhum sentido
senão o de estar vivas como os rios
que pro oceano seguem (sem motivo)

não saias (filho) a procurar sentido
pro que não tem sentido (cais no abismo)
segue (és um rio) o fluxo da vida
vive (e isso é tudo) segue o teu caminho

não te ocupes do fim nem do princípio
não te aflijas se as coisas são finitas
nem te perguntes por que são nascidas
nem te apoquentes porque elas terminam
vive e não queiras procurar sentido

não saias (filho) a procurar sentido
pras coisas todas que há (elas são vivas)
e o que é vivo não tem nenhum sentido
senão somente aquele (o de estar vivo

NA ETERNIDADE

deus pai o incognoscível passa a eternidade sem pressa
cercado de anjos a cantar sua glória
ouve as preces dos bichos da terra
os lamentos dos que querem milagres
ouve vozes e vozes e vozes
ouve rumores de peste e de guerra
ouve o grito dos excluídos e o gargalhar dos tolos

há espanto no céu
deus pai se espanta
os anjos se espantam
todos enfim se espantam no céu

ouvindo vozes e vozes e vozes
deus pai o incognoscível passa a eternidade sem pressa

o espírito santo paráclito
vem à minha janela em forma de pomba
assenta-se no beiral coça suas penas
me fala com sua voz fininha de pomba
que jesus cristo anda tristinho no céu

DEUS MENINA

Deus é uma criança que vive no meu colo
em sua falinha criancinha Deus me pede colo
aninha-se em meu colo e em meu colo adormece

quando acorda Deus choraminga
dá uns trôpegos passos cambaleia cai chora
Deus é uma criança que chora

por nossas dores chora?
talvez por nossas dores chore

essa criança Deus quando não chora se ri
é de se escutar o riso divininho
espargindo alegria no mundo que anda triste

outro dia Deus me acordava sorrindo
e me dizia baixinho: coragem
pra viver só precisa coragem

Deus (essa criança) é menina
se me zango porque fez bobagem
a menina corre pra mim com seus olhinhos sapecas
doce olhar de menina: e o que me pede? colo

TEOFAGIA

eucaristicamente nesta manhã mastigo
mastigo nesta manhã alguns nacos de pão
nesses nacos de pão há um gosto de Deus
há um gosto de Deus nesse pão que mastigo
teófago nesta manhã

Deus entre língua céu da boca e dentes
Deus que se molha e se escorrega na boca
Deus Ele mesmo nesses nacos de pão
nesse pão que mastigo
teófago nesta manhã

os doze amigos e Cristo vão dentro de mim
cada um deles eu sou nesta manhã
é a mim que mastigo nos pedaços de pão

eucaristicamente nesta manhã mastigo
nesses nacos de pão nesta manhã mastigo
a mim mesmo mastigo nesses nacos de pão
sou o pão que mastigo
teófago nesta manhã

DIVINO CONVITE

o que tem término e início?
o que acaba e principaia?
a ilusão dos meus sentidos
isso é jogo é fantasia

aquilo que é vive em mim
nisso é que eu vivo eu respirto
é o sopro que vivifica

em Deus está toda a vida
a fonte que me sacia
tenho sede do infinito

Deus não Se inicia ou finda
Deus é perpétuo sorriso

Deus é livre e isso me incita
é o meu maior desafio
todo dia Deus convida
a mim: vem ser livre em Mim
pois que é em mim que se vive
fora de Mim nada existe

CORONAVÍRUS

em  meio à rejeição dos irmãozinhos vindos
vindos mal-vindos infundindo o medo
meu coração se alarga e acolhe os pequeninos
os virusinhos pequeninos mínimos
formazinhas de vida cósmicos brinquedos
que nos infundem medo tanto medo
mas que inocentes nada sabem do medo
apenas brincam brincam brincam brincam

cumprem seu ciclo como nós o cumprimos
neles perpassa a mesma essência infinita
em suas forma pequenina que termina
como a nossa termina quando o ciclo é cumprido
são nossos irmãozinhos rejeitados
são nossos irmãozinhos desprezados
são nossos irmãozinhos não queridos
se vieram permite-o Deus grande mistério é isso
deixem-nos vir entre nós os pequeninos
são expressão da Vida e toda a Vida é divina

JESUS QUE PASSA

sempre encontro Jesus: pelas calçadas
das ruas da cidade ele caminha
triste sem rumo maldizendo a vida
ele tem fome e sede se angustia
ele é todo carência de uma amigo

sempre encontro Jesus pelas esquinas
mendigando a atenção dos que transitam
sem olhos de enxergá-lo em meio ao mundo
em meio a tanta gente ele sozinho
olhar sem brilho sem frescor sem viço
olhos de procurar tão doloridos

sempre encontro Jesus no crucifixo
do humano sofrimento aprisionado
eu queria abraçá-lo mas me inibo
eu queria beijá-lo e não o beijo
eu o vejo passar e às vezes choro
mas outras vezes passo e nem o vejo

PRESENÇA DE DEUS

no pássaro que voa eu vejo o pássato
esse pássaro é Deus
na água que flui sobre o leito do rio
vejo a água que flui sobre o leito do rio
essa água é Deus o rio é Deus

na nuvem do céu no ar frio da manhã
vejo a nuvem do céu sinto o ar frio
essa nuvem é Deus que está no céu
esse frio é Deus permeando a manhã

nas pedras que piso pela estrada
na poeira da estrada
na estrada
pedra pó da estrada e estrada são Deus

é Deus a fragrância da flor
o verde da folha verde é Deus
o sorriso na boca da criança
cada passante que passa
o pleno e o vazio tudo é Deus

PÁSSARO PERDIDO

meu coração de humano
tem vezes fraqueja e chora
ele sente assim essa vontade de choro
e manda lágrimas pros meus olhos que choram
há tantas dores (Deusinho) no mundo

meu coração de humano pulsa um passarinho
aflito é frágil dolorido com frio
o passarinho se perdeu do abrigo
tem medo está só meu coração de humano
esse que às vezes choro

meu coração de humano pássaro sem rumo
pássaro perdido
meu coração fica todo tristinho
todo fechado em si e fechado se aflige

meu coração de humano
tem vezes que ele chora
há tantas dores no mundo (Deusinho)
mas nunca chora em mim o coração divino_