BRUMA

nesta manhã Deus baixou em forma de bruma

cerração espessa envolvendo o mundo

não se via o mundo além da bruma

não havia praia (quase não havia praia)

por pouco não havia mar

sento-me o corpo sobre a canga de Krishna

toco os indicadores nos polegares

antes faço o sinal da cruz

viajo na meditação mântrica do Santo Rosário

uma hora depois suspendo as pálpebras

na branca bruma Deus ainda cobria o mundo

canto um bhajan

levanto-me o corpo

volta pra casa contente

atravessando a bruma espessa de Deus

MINHA TRINDADE

tenho-me batizado quase todos os dias

nas águas do mar de uma praia grande

eu me batizo em nome do Pai

do Filho e da Divina Mãe

(que é como eu chamo o Espírito Santo)

minha Trindade então

é mesmo uma família

a Ruah Santa é minha mãe

assim como a Virgem Maria é minha mãe

e todas as mulheres que há são minha mãe

pra que eu as olhe sempre com olhos de inocência

e aceitando o Reino como uma criança

meu ego se desfaça: eu realize o Reino

esse do qual Jesus diz que está dentro de nós

DÚVIDA

por onde andará a alminha do pombinho

que encontrei mortinho

(um pombinho matizado de cinza e branco)

bem em frente a meu portão?

diz que os pombinhos têm alma

mas que a alma dos pombinhos morre com eles

sei não (não sei se a alminha dos pombinhos morre)

das pessoas dizem que não morre

e pra mim um pombinho é quase uma pessoa

SACRALIDADE

acordo para a sacralidade da vida

todos os entes são sagrados

sagrados são todos os espaços

e o tempo que corre sem trégua

é também sagrado

sagradas são as palavras dos homens

o balbucio dos que nascem

o último alento dos que morrem

esses sons são sagrados

acordo para a sacralidade das formas

as formas impermanentes são sagradas

a árvore com sua folha e seu fruto

a aspereza da pedra

a água que corre pela aspereza da pedra

todas as formas são sagradas

o não sagrado é o vazio

a criação é sagrada

com o que nela é transitório é sagrada

permeada de Deus e em Deus imersa

geme constantemente em dores de parto

as dores são sagradas (e a alegria)

CLARA E SARA

são duas formas

de vida lindas

formas pequenas

meigas serenas

são Clara e Sara

formas meninas

formas que jogam

lilas divinas

e que me encantam

me pacificam

com seu jeitinho

sinto por elas

formas tão belas

muito carinho

vieram de Myriam

tão lindos frutos

são Myriam (pois)

já que no fundo

não somos muitos

não somos três

nem somos dois

um todos somos

a mesma Vida

que pulsa em Clara

já pulsa em Sara

já pulsa em Myriam

já pulsa em mim

e é Deus brincando

de ser tão vário

nas muitas formas

em Sara e em Clara

vindas de Myriam

formas pequenas

de um Deus criança

de um Deus que pula

que brinca e dança

que dança e brinca

O NÂO POEMA

no primeiro dia o poema me brotou

mesmo antes da vinda

houve júbilo no coração do poeta

todo poema que brota é fonte de alegria

o poema se fez no segundo dia

em meio à madrugada bem cedinho

a luz do dia ainda estava deitada

quando o poeta foi colher o poema que se fez

já não era tão cedo no terceiro dia

o poema veio vindo manso e lento

esparramando-se pelo espaço da folha

era a alma do poeta que transbordava na folha

mas no quarto dia Deus disse ao poeta

"filho amado deixa as palavras em quietude

deixa-as dormindo

pois por mais belos que os poemas sejam

dentro e fora de ti há o poema que Eu teço

e te ofereço como graça todos os dias"

SE NÃO HOUVESSE

se não houvesse as pessoas

se elas não me tivessem sido dadas por Deus

a quem eu iria amar?

pra que é que Deus moraria em meu coração

(eu sinto que Ele mora ali)

se não houvesse as pessoas?

todas as pessoas me foram dadas por Deus

se não houvesse as pessoas

eu estaria imerso na impotência do afeto

na impotência do gesto de carinho

na impotência de ser um com elas

grande é o amor de Deus por mim

que me deu as pessoas (todas as pessoas)

pra que eu pudesse amar as pessoas

grande (e eu lhes digo é imenso esse amor

já que não dá pra medir o amor de Deus)

assim é o amor que mora em meu coração

ele me faz depender de todas as pessoas

eu agradeço muito a Deus por isso

DESPERTAR

acordei-me cedinho e dividido

entre entregar-me ao sono novamente

ou dedicar-me às práticas do espírito

olhei para o relógio eram três horas

e vinte e cinco (o dia era domingo

que é o dia do Senhor que em tudo vive)

pouco antes de acordar Ele me disse

meu nome de batismo internamente

só pra que eu despertasse Ele me disse

levantei-me do leito e me sentei

cruzando as pernas do meu corpo: e a mente

por meia hora o mantra repetia

depois eu cruzo as pernas novamente

tendo nas mãos o terço de Maria

recitando o rosário (era a alegria)

então banho meu corpo na água fria

entoando cânticos celebro o dia

e saio pra vivê-lo alegremente

AVATAR

eu O vejo com a mão no queixo

o sorriso entreaberto revelando amor

Sua cabeleira crespa e muito densa

Seu nariz largo e o olhar compassivo

vejo-O numa foto na capa de um livro

quantos anos teria o corpo?

bem moço era ainda o corpo

fecho os olhos e O vejo

lá em Prashanti numa cadeirinha de rodas

Seu corpo pequenino e os cabelos ralinhos

parece que vejo a dor em Sua face

a dor de estar ainda no corpo

no corpo que definha como definham os corpos

todos os corpos (até mesmo o de Deus)

então eu O amo na foto

em que Seu corpo está cheio de viço

com os vastos cabelos e o sorriso entreaberto

e mais O amo na lembrança do corpo

que parece que sofre

me uno a essa dor e O amo

de um amor permeado de doce compaixão

CONFIANÇA

a razão de haver sobressaltos

no coração das gentes

é pensar que tudo depende de nós

quando tudo depende de Deus

não me preocupar com o dia de amanhã

porque o amanhã virá

mas ainda é hoje

acolher o hoje e viver o hoje

dependendo totalmente de Deus

que nutre os pássaros e veste os lírios

e haverá de cuidar de mim

RAIZ

minha alegria se enraíza em Deus

como as plantas se enraízam na terra

e essa raiz me faz ver todas as coisas

com um olhar benigno e sereno

definitivamente eu amo a Deus

com meu corpo

com minha mente

com meu coração (o espírito)

com o sorriso que floresce nos meus olhos