LILA DIVINA

parecia que o Senhor me podava

mas eu não gostava (e ficava triste)

eu queria cantar pra Mãe do Senhor

igual a uma criança eu queria cantar

deixa (Senhor) que eu cante pra Tua e minha Mãe

me concede (Senhor) essa alegria

e o tempo? o tempo escoava e corria

diante dos meus olhos o tempo se indo

e não deixava tempo pro meu canto

na minha frente havia

os nove risos do Senhor

puxa (Senhor) precisa

rir da minha cara tristinha?

que nada (irmãos amados)

era brincadeirinha do Senhor

não me tirou da boca o doce canto

eu é que sou bobinho

Ele cantou comigo: como me ama o Senhor

ÁGUA

a água é Deus

ela emana de Deus

e o que de Deus emana

não pode ser senão Deus

a água é Ele

que líquido me chega

e me aplaca a sede

e me refresca a alma

Deus escorre humílimo pela minha garganta

GRÁVIDO

há um não vento pra lá da minha janela

no quarto o calor me envolve

enquanto a ponta da caneta

saltita sobre a folha

brinca entre meus dedos folgazã

há uma ânsia em meu dentro de eu ser feliz

desapegado equânime contente

com tudo que acontece e me chega

há uma quase certeza de que tudo

é o que é

sem razões específicas de o ser

todas as coisas em seu lugar

o não vento o calor a ponta da caneta

e a poesia que borbulha no meu dentro

esse dentro preenchido de amor

grávido de vida

terra semeada e fértil

útero onde se forma Deus

MINHA DOR

o que é que eu vou fazer com a minha dor?

fugir dela não fujo

fingir que a dor não é seria em vão

vou unir minha dor à dor do meu Jesus

completar a paixão de Jesus

pois não sou eu quem vive

Ele é quem vive em mim

quando eu recitar a Salve-Rainha

(todos os dias recito a Salve-Rainha)

saberei que este é mesmo o vale de lágrimas

mas de mim eu não sinto um tiquinho de pena

nem digo coitado de minzinho

eu vou fazer da dor motivo de dar graças

seguir o conselho do apóstolo

não vou ficar jururu como esquecido de Deus

isso porque eu sei que Ele me ama

e (afinal) as dores (as irmãs dores)

elas também são filhas de Deus

NINANDO DEUS

santo Antônio e o Menino em seus braços

o Menino nos braços de são José

são Benedito e o Menino

o Menino sobre a mão da Mãe dos Remédios

Deus sendo conduzido com todo o carinho

nos nichos das paredes do templo

indefeso e frágil e precisando de amparo

coloco-O em meu coração e o nino ali

como sempre fiz com meus filhos

CANTO GENETLÍACO

eu saúdo o amigo

que nasceu Francisco

foi no mesmo mês

que o de Assis partia

numa diferença

só de quinze dias

há nos dois Franciscos

coisas muito lindas

no de Assis pureza

e também no amigo

que nasceu Francisco

justo neste dia

o de Assis ensina

que o caminho é Cristo

e o amigo Chico

que hoje era nascido

clama como Cristo

pelos oprimidos

QUARTO E CORAÇÃO

havia o quarto e a menina

a menina interditava o quarto

entrar nele era arriscada aventura

o quarto era uma espécie de céu

no qual eu quero entrar: era mistério

o quarto estava sempre em ordem e bonito

cada coisa em seu lugar devido

o cosmos se impondo sobre o caos

a menina era uma espécie de Deus

havia o seu sorriso suave e tímido

a nesga de cabelo caía sobre a testa

havia a tez clara: os olhos expressivos e o sorriso

a menina era uma espécie de Deus

além do quarto (mistério) e da menina

havia um coração pulsando inquieto no seu peito

depois a dor da menina sem seu quarto

sem seu céu no qual eu não podia entrar

eu espreitava o quarto e a menina

até que eu me fui e a menina se foi sem seu quarto

tempos após descubro o coração da menina

entro em seu coração (melhor do que em seu quarto)

entro em seu coração e ali dentro eu lhe digo:

amo você menina

amo você também pela dor do céu perdido

amo você e nesse amor me abrigo

amo você menina

de coração mais céu do que seu quarto

PRAIA GRANDE

Deus que pensa em mim todos os dias

um dia um belo dia acorda pensando

em me fazer feliz

Deus sabe como eu gosto do mar

Deus sabe de tudo exatamente por ser Deus

então me mostra uma praia extensa muito extensa

de águas muito frias

sobre as quais pairam gaivotas e mergulhões

essa praia é lago às vezes e outras vezes onda

as águas dessa praia são claras e límpidas

onde o sol se reclina

as areias acolhem os pés que as pisam

nessa praia o que venta é o vento do Espírito

Ele venta onde quer

Deus me mostra a praia e me diz

eis tua casa

nela faço de ti pescador de almas

e expande-Se dentro de mim como alegria

RAIZ

dentro do azul da tarde de sol

em que pássaros gorjeiam por perto

o vento andarilho brinca

com folhas e flores das árvores

pouso um polegar sobre a capa do livro

o polegar se mexe

até o dia em que vai quedar-se inerte

o polegar não é Deus

Deus só passeia nele

o polegar se mexe

porque não é Deus

tudo o que se mexe se murcha

Deus (que não Se mexe) não Se murcha

há uma raiz incriada alimentando Deus

sorve de um não-lugar a seiva que O nutre

elas são Ele (Deus é o não-lugar)

enquanto o polegar se mexe

até o dia em que não mais se mexe (como Deus)

A MAIOR ALEGRIA

o irmão Francisco

pelo caminho

de pés descalços

tão pobrezinho

inquire o amigo

que é frei Leão:

"qual a alegria

suprema (irmão)?"

resposta o frade

não acha e então

o irmão Francisco

lhe diz assim:

"se decifrássemos

todo o mistério

que há nas estrelas

se os dons de cura

dados por Deus

nos permitissem

curar o enfermo

(todos que há)

se pela força

das pregações

nós convertêssemos

ao Evangelho

de Jesus Cristo

todos os homens

nós sentiríamos

muita alegria

mas não aquela

que é bem maior

tal alegria

nós só teríamos

se ao que nos fere

pelas palavras

zomba de nós

maltrata e bate

(nos causa dor)

nós conseguíssemos

não odiar

se quem faz isso

não fosse alvo

da nossa ira

porém do amor

então teríamos

toda a alegria

que é ser um dia

como vivia

Nosso Senhor"

(no dia de são Francisco de Assis)